quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Histórico do Espiritismo



Por volta de 1848, chamou-se a atenção, nos Estados Unidos da América, para diversos fenômenos estranhos que consistiam em ruídos, batidas e movimento de objetos sem causa conhecida. Esses fenômenos aconteciam com freqüência, espontaneamente, com uma intensidade e persistência singulares; mas notou-se também que ocorriam particularmente sob a influência de certas pessoas, às quais se deu o nome de médiuns, que podiam de certa forma provocá-los à vontade, o que permitiu repetir as experiências. Para isso, usaram-se sobretudo mesas; não que este objeto seja mais favorável que um outro, mas somente porque ele é móvel é mais cômodo, e porque é mais fácil e natural sentar-se em volta de uma mesa que de qualquer outro móvel. Obteve-se dessa forma a rotação da mesa, depois movimentos em todos os sentidos, saltos, reversões, flutuações, golpes dados com violência, etc. O fenômeno foi designado, a princípio, com o nome de mesas girantes ou dança das mesas.
Até então, o fenômeno podia explicar-se perfeitamente por uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação de um fluído desconhecido, e esta foi aliás a primeira opinião formada. Mas não se demorou a reconhecer, nesses fenômenos, efeitos inteligentes; assim, o movimento obedecia à vontade; a mesa ia para a direita ou para a esquerda, em direção a uma pessoa designada, ficava sobre um ou dois pés sob comando, batia no chão o número de vezes pedido, batia regularmente, etc. Ficou então evidente que a causa não era puramente física e, a partir do axioma: Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente, concluiu-se que a causa desse fenômeno devia ser uma inteligência.
Qual era a natureza dessa inteligência? Essa era a questão. A primeira idéia foi que podia ser um reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes, mas a experiência demonstrou logo a impossibilidade disso, porque se obtiveram coisas completamente fora do pensamento e dos conhecimentos das pessoas presentes, e até em contradição com suas idéias, vontade e desejo; ela só podia, então, pertencer a um ser invisível. O meio de certificar-se era bem simples: bastava iniciar uma conversa com essa entidade, o que foi feito por meio de um número convencional de batidas significando sim ou não, ou designando as letras do alfabeto; obtiveram-se, dessa forma, respostas para as diversas questões que se lhe dirigiam. O fenômeno foi designado pelo nome de mesas falantes. Todos os seres que se comunicaram dessa forma, interrogados sobre sua natureza, declararam ser Espíritos e pertencer ao mundo invisível. Como se tratava de efeitos produzidos em um grande número de localidades, pela intervenção de pessoas diferentes, e observados por homens muito sérios e esclarecidos, não era possível que fossem joguete de uma ilusão.
Da América, esse fenômeno passou para a França e o resto da Europa onde, durante alguns anos, as mesas girantes e falantes foram a moda e se tornaram o divertimento dos salões; depois, quando as pessoas se cansaram, deixaram-nas de lado para passar a outra distração.
O fenômeno não tardou a se apresentar sob um novo aspecto, que o fez sair do domínio da simples curiosidade. Os limites deste resumo, não nos permitindo segui-lo em todas as suas fases; nós passamos, sem transição, ao que ele oferece de mais característico, ao que fixa sobretudo a atenção das pessoas sérias.
Dizemos, inicialmente, que a realidade do fenômeno encontrou numerosos contraditores; uns, sem levar em conta o desinteresse e a honradez dos experimentadores, não viram mais que hábil jogo de escamoteação. Os que não admitem nada fora da matéria, que só acreditam no mundo visível, que acham que tudo morre com o corpo, os materialistas, em uma palavra; os que se qualificam de espíritos fortes, rejeitaram a existência dos Espíritos invisíveis para o campo das fábulas absurdas; tacharam de loucos os que levavam a coisa a sério, e os cumularam de sarcasmos e zombarias. Outros, não podendo negar os fatos, e sob o império de certas idéias, atribuíram esses fenômenos à influência exclusiva do diabo e procuraram, por esse meio, assustar os tímidos. Mas hoje o medo do diabo perdeu singularmente seu prestígio; falaram tanto dele, pintaram-no de tantos modos, que as pessoas se familiarizaram com essa idéia e muitos acharam que era preciso aproveitar a ocasião para ver o que ele é realmente. Resultou que, à parte um pequeno número de mulheres timoratas, o anúncio da chegada do verdadeiro diabo tinha algo de picante para aqueles que só o tinham visto em quadros ou no teatro; ele foi para muita gente um poderoso estimulante, de modo que os que quiseram levantar, por esse meio, uma barreira às novas idéias, agiram contra seu próprio objetivo e tornaram-se, sem o querer, agentes propagadores tanto mais eficazes quanto mais forte gritavam. Os outros críticos não tiveram sucesso maior porque, aos fatos constatados, com raciocínios categóricos, só puderam opor denegações. Lede o que eles publicaram e em toda parte encontrareis prova de ignorância e de falta de observação séria dos fatos, e em nenhuma parte uma demonstração peremptória de sua impossibilidade. Toda a sua argumentação resume-se assim: "Eu não acredito, então não existe; todos os que acreditam são loucos e somente nós temos o privilégio da razão e do bom senso." O número dos adeptos feitos pela crítica séria ou burlesca é incalculável, porque em todas elas apenas se encontram opiniões pessoais, vazias de provas contrárias. Continuemos nossa exposição.
As comunicações por batidas eram lentas e incompletas; reconheceu-se que adaptando um lápis a um objeto móvel: cesta, prancheta ou um outro, sobre os quais se colocavam os dedos, esse objeto se colocava em movimento e traçava caracteres. Mais tarde reconheceu-se que esses objetos eram tão-somente acessórios que podiam ser dispensados; a experiência demonstrou que o Espírito, que agia sobre um corpo inerte dirigindo-o à vontade, podia agir da mesma forma sobre o braço ou a mão, para conduzir o lápis. Tivemos então médiuns escritores, ou seja, pessoas que escreviam de modo involuntário, sob a impulsão dos Espíritos, dos quais poderiam ser instrumentos e intérpretes. A partir daí, as comunicações não tiveram mais limites, e a troca de pensamentos pode-se fazer com tanta rapidez e desenvolvimento quanto entre os vivos. Era um vasto campo aberto à exploração, a descoberta de um mundo novo: o mundo dos invisíveis, como o microscópio havia feito descobrir o mundo dos infinitamente pequenos.
Que são esses Espíritos? Que papel desempenham no universo? Com que objetivo se comunicam com os mortais? Tais as primeiras questões que se teria a resolver. Soube-se logo, por eles mesmos, que não são seres à parte na criação, mas as próprias almas daqueles que viveram na terra ou em outros mundos; que essas almas, depois de terem despojado de seu envoltório corporal, povoam e percorrem o espaço. Não houve mais possibilidade de dúvidas quando se reconheceram, entre eles, parentes e amigos, com os quais se pôde conversar; quando estes vieram dar prova de sua existência, demonstrar que a morte para eles foi somente a do corpo, que sua alma ou Espírito continua a viver, que estão ali junto de nós, vendo-nos e observando-nos como quando eram vivos, cercando de solicitude aqueles que amaram, e cuja lembrança é para eles uma doce satisfação.

Allan Kardec - O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Estado do Espiritismo em 1863



O ano que passou não foi mais fecundo que os anteriores para o Espiritismo, mas se distingue por vários traços particulares. Mais que todos os outros, ele foi marcado pela violência de certos ataques, sinal característico cuja dimensão a ninguém escapou. Todos disseram: Se eles se encolerizam, é porque têm medo; se têm medo é porque algo há de sério.
Como hoje está bem constatado que essas agressões fizeram progredir o Espiritismo, em vez de detê-lo, naturalmente ver-se-ão diminuir os ataques abertos, mas não se deve dormir sobre esta calma aparente, nem crer que os inimigos do Espiritismo não vão disto tirar partido. Então é necessário nos persuadirmos de que a luta não está terminada, mas haverá uma mudança tática. Eis por que dizemos aos espíritas que estejam constantemente atentos sobre o que se passa em seu redor e se lembrem do que dissemos no número de dezembro último, sobre o período de luta, da guerra surda e dos conflitos; que, assim, não se admirem se o inimigo se infiltra em suas fileiras; que Deus o permite para experimentar a fé, a coragem, a perseverança dos verdadeiros servidores. De agora em diante, seu objetivo será procurar todos os meios possíveis de comprometer o Espiritismo, a fim de desacreditá-lo; de impelir os grupos, sob a aparência de zelo e sob o pretexto de que é preciso ir avante; a se ocuparem de coisas estranhas ao objeto da doutrina; a tratarem de questões políticas ou de outras de natureza a provocar discussões irritantes e a semear a divisão, tudo para ter pretextos de pedir o seu fechamento. A moderação dos espíritas é o que mais causa admiração e mais contraria os seus adversários. Eles tentarão tudo para afastá-los dela, inclusive a provocação, mas os espíritas saberão desviar essas manobras por sua prudência, como já o fizeram em várias ocasiões, e não cairão nas armadilhas que lhe prepararem; aliás, eles verão os instigadores se embaraçarem em suas próprias teias, pois é impossível que, mais cedo ou mais tarde, não ponham as unhas de fora. Este será um momento mais difícil de passar do que o da guerra aberta, no qual se vê o inimigo face a face, no entanto, quanto mais dura a prova, maior o triunfo.
Aliás, esta campanha teve um imenso resultado, o de provar a impotência das armas dirigidas contra o Espiritismo. Os homens mais capazes do partido contrário entraram na liça; todos os recursos da argumentação foram empregados e, não tendo sofrido o Espiritismo, cada um ficou convencido de que não se lhe podia opor nenhuma razão peremptória, e a maior prova da falta de boas razões é que eles recorreram ao triste e ignóbil expediente da calúnia. Mas em vão quiseram fazer com que o Espiritismo dissesse o contrário do que diz, pois a doutrina aí está, escrita em termos tão claros que desafiam toda falsa interpretação, razão pela qual o odioso da calúnia recai sobre os que a empregam e os convence de sua impotência. Eis aí um fato considerável no ano findo, e se só tivéssemos obtido esse resultado, deveríamos estar satisfeitos, mas outros há não menos positivos.
O ano de 1863 foi marcado sobretudo pelo aumento do número de grupos e sociedades formadas numa porção de localidades onde não os havia ainda, tanto na França quanto no estrangeiro, sinal evidente do aumento do número de adeptos e da difusão da doutrina. Paris, que havia ficado na retaguarda, cede ao impulso geral e começa a mover-se. Todos os dias veem-se novos grupos particulares se formando, com objetivo eminentemente sério e em excelentes condições.
A sociedade que presidimos vê com alegria multiplicarem-se em seu redor os rebentos vivazes, capazes de espalhar a boa semente. Os grupos particulares, quando bem dirigidos, são muito úteis à iniciação de novos adeptos. Em razão da extensão de suas relações, a sociedade principal, como centro de convergência dos grupos de todas as partes do mundo, não pode nem deve ocupar-se senão do desenvolvimento da ciência e das questões gerais, que lhe absorvem todo o tempo. Assim, deve forçosamente abster-se de tudo quanto seja elementar e pessoal. Os grupos particulares vêm, assim, preencher a lacuna que ela forçosamente deixa na prática, e por isso ela encoraja e secunda com seus conselhos e com seu apoio moral as pessoas que se dedicam a essa obra de propagação.
Se por alguns instantes foi possível um certo receio quanto aos efeitos de algumas dissidências na maneira de encarar o Espiritismo, o número sempre crescente das Sociedades que em todos os países se colocam espontaneamente sob o patrocínio da de Paris e erguem a sua bandeira, é um fato que dissipa completamente esse receio.
É evidente que a doutrina do Livro dos Espíritos é hoje o ponto de convergência da imensa maioria dos adeptos. A máxima Fora da caridade não salvação reuniu todos os que veem o lado moral do Espiritismo, porque não há duas maneiras de interpretá-lo, e ela satisfaz a todas as aspirações.
Desde a constituição do Espiritismo em corpo de doutrina, já caíram muitos sistemas isolados, e os poucos traços que ainda deixam não têm influência na opinião geral. As bases sólidas em que ele se apoia triunfarão sem dificuldade das divisões que seus adversários não deixarão de suscitar, porque eles não contam com Espíritos que protegem a sua obra, e se servem de seus próprios inimigos para garantirem o sucesso.
Teria sido sem precedentes o estabelecimento de uma doutrina sem dissidências, e se de alguma coisa nos podemos admirar, é de se ver, em relação ao Espiritismo, a unidade formar-se tão prontamente.
Seja como for, o Espiritismo ainda não penetrou em toda parte e em muitos lugares é apenas conhecido de nome. Os raros adeptos aí encontrados atribuem esse fato a duas causas: primeiro, ao caráter das populações muito absorvidas pelos interesses materiais; depois, à ausência de pregações contrárias. Eis por que apelam com todas as veras por sermões do gênero dos que foram pregados alhures, ou de alguma manifestação brilhante de hostilidade, que chame a atenção e desperte a curiosidade. Mas, que eles tenham paciência. Como é preciso que todos lá cheguem, os Espíritos saberão muito bem como suprir essa necessidade através de outros meios.
Mas o traço mais característico do ano de 1863 foi o movimento que se produziu na opinião, no que concerne à Doutrina Espírita. Fica-se surpreendido com a facilidade com que o princípio é aceito por pessoas que até há pouco tê-lo-iam repelido e levado ao ridículo.
As resistências - e falamos das que não são sistemáticas e interessadas - diminuem sensivelmente. Citam-se vários escritores de boa-fé que combateram violentamente o Espiritismo, e que hoje, dominados por seu meio social, sem se confessarem vencidos, renunciam a uma luta considerada inútil. É que a necessidade de uma transformação moral se faz sentir mais e mais. A ruína do velho mundo é iminente, porque as ideias que ele preconiza não mais estão à altura a que chegou a Humanidade inteligente. Tudo parece a ele conduzir, mas, por outro lado, se reconhecem vagamente novos horizontes; sente-se que há necessidade de algo de melhor do que aquilo que existe e busca-se inutilmente no mundo atual. Alguma coisa circula no ar como uma corrente elétrica precursora, e todos esperam, mas todos dizem para si mesmos que não é a Humanidade que deve retroceder.
Outro fato não menos significativo que muitos notaram, e que é consequência do atual estado de ânimo, é o prodigioso número de escritos, sérios ou superficiais, feitos fora, e provavelmente sem o conhecimento do Espiritismo, nos quais se encontram pensamentos espíritas. O princípio da pluralidade das existências, sobretudo, tem uma tendência a entrar na opinião das massas e na filosofia moderna. Muitos pensadores a isto são conduzidos pela lógica dos fatos e em pouco essa crença tornar-se-á popular. Evidentemente são os precursores da adoção do Espiritismo, cujas vias assim são preparadas e cujo caminho é aplainado. Estas ideias são todas semeadas de diversos lados, em escritos que caem nas mãos de todos, tornando cada vez mais fácil a sua aceitação.
O estado do Espiritismo em 1863 pode, pois, assim resu­mir-se: Ataques violentos; multiplicação de escritos pró e contra; movimento nas ideias; notável expansão da doutrina, mas sem sinais exteriores de natureza a produzir uma sensação geral; as raízes se estendem, crescem os rebentos, esperando que a árvore desenvolva os seus ramos. Ainda não chegou o momento da sua maturidade.
Entre as publicações que no ano passado vieram participar da luta e concorrer para a defesa do Espiritismo, colocamos em primeira linha la Ruche, de Bordeaux e la Vérité, de Lyon, cujos redatores merecem o reconhecimento e o encorajamento de todos os verdadeiros espíritas pela perseverança, devotamento e desinteresse de que deram provas. No centro espírita mais numeroso da França, e talvez do mundo inteiro, la Vérité veio postar-se como um atleta temível, por seus artigos de uma lógica tal que não deixam margem à crítica.
O Espiritismo terá em breve, - assim nos fazem esperar - um novo e importante órgão na Itália que, como os seus irmãos mais velhos da França, marchará de comum acordo com os grandes princípios da doutrina.


Allan Kardec

Revista Espírita - janeiro de 1864

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O Courrier de Paris publicou artigo sobre O Livro dos Espíritos



A Doutrina Espírita

O Editor Dentu acaba de publicar uma obra deveras notável; diríamos mesmo bastante curiosa, mas há coisas que repelem toda qualificação banal. O Livro dos Espíritos, do Sr. Allan Kardec, é uma página nova do grande livro do infinito, e estamos persuadidos de que um marcador assinalará essa página. Ficaríamos desolados se pensassem que acabamos de fazer aqui um anúncio bibliográfico; se pudéssemos supor que assim fora, quebraríamos nossa pena imediatamente. Não conhecemos absolutamente o autor, mas confessamos abertamente que ficaríamos felizes em conhecê-lo. Aquele que escreveu a introdução que inicia O Livro dos Espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres.

Aliás, para que não se possa suspeitar de nossa boa-fé e nos acusar de tomar partido, diremos com toda sinceridade que jamais fizemos um estudo aprofundado das questões sobrenaturais. Apenas, se os fatos que se produziram nos causaram admiração, pelo menos jamais nos levaram a dar de ombros. Somos um pouco dessas pessoas que se chamam de sonhadores, porque não pensamos absolutamente como todo o mundo. A vinte léguas de Paris, à noite sob as grandes árvores, quando não tínhamos em torno de nós senão choupanas esparsas, pensávamos naturalmente em qualquer coisa, menos na Bolsa, no macadame dos bulevares ou nas corridas de Longchamp. Diversas vezes nos interrogamos, e isto muito tempo antes de ter ouvido falar em médiuns, o que haveria de passar no que se convencionou chamar o Alto. Outrora chegamos mesmo a esboçar uma teoria sobre os mundos invisíveis, guardando-a cuidadosamente para nós, e ficamos muito felizes de reencontrá-la quase por inteiro no livro do Sr. Allan Kardec.

A todos os deserdados da Terra, a todos os que caminham e caem, regando com suas lágrimas o pó da estrada, diremos: Lede O Livro dos Espíritos; isso vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que pelos caminhos só encontram os aplausos da multidão ou os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o; ele vos tornará melhores.

O corpo da obra, diz o Sr. Allan Kardec, deve ser reivindicado inteiramente pelos Espíritos que o ditaram. Está admiravelmente classificado por perguntas e por respostas. Algumas vezes, estas últimas são sublimes, e isto não nos surpreende; mas, não foi preciso um grande mérito a quem as soube provocar?

Desafiamos a rir os mais incrédulos quando lerem este livro, no silêncio e na solidão. Todos honrarão o homem que lhe escreveu o prefácio.

A doutrina se resume em duas palavras: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem. Lamentamos que o Sr. Allan Kardec não tenha acrescentado: e fazei aos outros o que gostaríeis que vos fosse feito. O livro, aliás, o diz claramente e a doutrina, sem isto, não estaria completa. Não basta não fazer o mal; é preciso também fazer o bem. Se apenas sois um homem de bem, não tereis cumprido senão a metade do vosso dever. Sois um átomo imperceptível desta grande máquina que se chama mundo, onde nada deve ser inútil. Sobretudo, não nos digais que se pode ser útil sem fazer o bem; vernos- íamos forçados de vos replicar por um volume.

Lendo as admiráveis respostas dos Espíritos na obra do Sr. Kardec, dissemos a nós mesmos que haveria um belo livro a escrever. Bem depressa reconhecemos que nos havíamos enganado: o livro já está escrito. Apenas o estragaríamos se tentássemos completá-lo.

Sois homem de estudo e possuís a boa-fé, que não pede senão para se instruir? Lede o Livro Primeiro sobre a Doutrina Espírita.

Estais colocado na classe dos que só se ocupam consigo mesmos e que, como se diz, fazem os seus pequenos negócios muito tranqüilamente, nada vendo além dos próprios interesses? Lede as Leis Morais.

A desgraça vos persegue com furor, e a dúvida vos envolve, por vezes, com o seu abraço gelado? Estudai o Livro Terceiro: Esperanças e Consolações.

Todos vós que abrigais nobres pensamentos no coração e que acreditais no bem, lede o livro do começo ao fim.

Se alguém nele encontrasse matéria para zombaria, nós o lamentaríamos sinceramente.

  G. du Chalard

Revista Espírita - janeiro de 1858

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Círculo Parisiense de Estudos Espíritas

Galeria de Valois (2)

Círculo Parisiense de Estudos Espíritas
Raros documentos kardequianos, de alto valor histórico, são divulgados pelo Conselho Espírita Internacional no IV Congresso Espírita Mundial, em Paris, revelando novas e preciosas informações.

 

   Enrique Eliseo Baldovino



Por ocasião das merecidas comemorações do Bicentenário de Nascimento de Allan Kardec, que teve seu ponto mais alto no IV Congresso Espírita Mundial efetuado em Paris, promovido pelo CEI: Conselho Espírita Internacional e realizado pela USFF: Union Spirite Française et Francophone, de 2 a 5 de outubro de 2004, foram apresentados ali alguns documentos inéditos e pessoais do insigne Codificador, que têm um alto valor histórico e significativo.
Esses raros documentos kardequianos fazem parte do extenso e rico acervo reunido pelo estudioso escritor espiritista, o saudoso Dr. Sylvino Canuto Abreu (Taubaté/SP, 19/01/1892 – São Paulo/SP, 02/05/1980) que, por outra parte, ditou durante o Congresso uma comunicação em homenagem a Allan Kardec, através da psicografia do médium Raul Teixeira (quem também recebeu uma mensagem psicográfica do Espírito Gabriel Delanne). Registramos também que no histórico 4º Congresso Mundial, o médium Divaldo Franco recebeu em francês uma mensagem especular (psicografia invertida) do Espírito Léon Denis, e pela via psicofônica ao Dr. Bezerra de Menezes.
Essas Cartas, ainda inéditas, têm sido gentilmente cedidas pelo Instituto Canuto Abreu ao CEI, cujo Secretário General, Dr. Nestor João Masotti (também Presidente da Federação Espírita Brasileira), juntamente com o Primeiro Secretario do CEI, Sr. Roger Perez (atual Presidente da USFF), as divulgou generosamente no último Congresso Mundial, scanneando-as com o objetivo de preservar esses raros e valiosos documentos. Os textos manuscritos inéditos (que são sete), escritos por Kardec e pela sua querida esposa Amélie-Gabrielle de Lacombe Boudet (Thiais [Sena], França, 23/11/1795 – Paris, 21/01/1883), são uma expressiva fonte de investigação bibliográfica. A seguir transcrevemos o original francês escrito do próprio punho do mestre de Lyon de uma dessas sete Cartas Inéditas, traduzindo abaixo para o português a correspondência que faz alusão à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, onde destaca-se uma nova informação revelada pelo citado Manuscrito do Codificador, que grifamos com letra itálica e negrita:

 

ORIGINAL FRANCÊS

«A Monsieur le Préfet de Police de la ville de Paris. Monsieur le Préfet: Les membres fondateurs du Cercle Parisienne des Études Spirites qui ont sollicité auprès de vous l’autorisation nécessaire pour se constituer en Société, ont l’honneur de vous prier de vouloir bien leur permettre des réunions préparatoires en attendant l’obtention de l’autorisation régulière. J’ai l’honneur d’être avec le plus profond respect, Monsieur le Préfet, votre très humble et très obéissant serviteur, H. L. D. Rivail dit Allan Kardec. Rue des Martyrs nº 8.». (6)

TRADUÇÃO AO PORTUGUÊS

«Ao Sr. Prefeito de Polícia da cidade de Paris. Sr. Prefeito: Os membros fundadores do Círculo Parisiense de Estudos Espíritas, que solicitaram junto a vós a autorização necessária para constituir-nos em Sociedade, temos a honra de pedir-vos que consintais permitir-nos reuniões preparatórias, enquanto esperamos a autorização regular. Com o mais profundo respeito, Sr. Prefeito, tenho a honra de ser vosso muito humilde e muito obediente servidor, H. L. D. Rivail, dito Allan Kardec. Rua dos Mártires nº 8.» (Nossa tradução.)
COMENTÁRIOS – Note-se, então, o nome provisório – Cercle Parisienne des Études Spirites – que Kardec dá ao Círculo Espírita antes de constituir-se em Sociedade, Grupo que já se reunia todas as terças-feiras à Rua dos Mártires nº 8 – segundo andar, ao fundo do pátio –, residência particular de Rivail em Paris, e cujas reuniões ocorriam desde aproximadamente seis meses antes (1) da fundação da Société Parisienne des Études Spirites, que aconteceu em 1º de abril de 1858. A partir da transformação do Cercle em Société, esta viria a ter um papel de grande relevância histórica e doutrinária no Movimento Espírita Nacional e Internacional, como sendo a primeira Sociedade Espírita constituída do mundo. Por isso concluímos que todo esse importante Movimento começou com o pioneiro Círculo Parisiense de Estudos Espíritas, núcleo de vanguarda, também coordenado pelo mestre de Lyon.
Realizando um sintético histórico dos lugares onde a Société estabeleceu-se em Paris, Allan Kardec escreve textualmente (1) nas suas excelentes Œuvres Posthumes: «(...) Então, a Sociedade ficou regularmente constituída e reunia-se todas as terças-feiras no local que havia alugado no Palácio Real, galeria Valois. Ali esteve um ano, de 1º de abril de 1858 a 1º de abril de 1859. Não conseguindo permanecer nesse local por mais tempo, passou a se reunir todas as sextas-feiras em um dos salões do restaurante Douix, no Palais-Royal, galeria Montpensier, de 1º de abril de 1859 a 1º de abril de 1860, época em que instalou-se num local próprio à Rua e passagem Santa Ana, nº 59. Formada no princípio por elementos pouco homogêneos e por pessoas de boa vontade que eram admitidas com demasiada facilidade, a Sociedade enfrentou numerosas vicissitudes que produziram não poucos obstáculos penosos à minha tarefa.» [Tradução nossa.] (Ver também maiores informações na Revista Espírita (RE) de maio de 1858, artigo X: Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – Fundada em Paris em 1º de abril de 1858, pág. 148; na RE jan. 1859–VIII: Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – Aviso, pág. 28, juntamente com a RE mai. 1860–I: Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – Sexta-feira 30 de março de 1860: sessão particular, pág. 130.) (2)
Outra observação digna de nota é a importante e corajosa identificação que o eminente Professor Hippolyte-Léon-Denizard Rivail faz ao assinar a Carta com o seu ilustre sobrenome e com seu digno pseudônimo respectivamente (Rivail-Kardec), oferecendo certamente o seu aval de pessoa séria e respeitada ante a autoridade municipal (Prefeito de Polícia de Paris) e nacional (Ministro do Interior), especificamente para a abertura da Sociedade, na qual deveriam dispor por lei de uma autorização legal e oficial para o encontro de um maior número de pessoas das que se reuniam em um Círculo.
CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL FRANCÊS DO SÉCULO XIX (3)
Pouco antes da data em que foi fundada a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, um revolucionário nacionalista e conspirador [Encyclopædia Britannica] italiano chamado Félix Orsini (Meldola [antigo Estado Papal, hoje Itália], 10/12/1819 – Paris, Francia, 13/03/1858), perpetrava um atentado em 14 de Janeiro de 1858 contra a vida de Napoleão III (Paris, 20/04/1808 – Chislehurst [Kent], Inglaterra, 09/01/1873) que, por pouco, não foi assassinado, e embora Orsini fosse defendido por Jules Favre (Lyon, Francia, 21/03/1809 – Versailes, 19/01/1880) – célebre advogado e político opositor a Napoleão III –, foi condenado à pena de morte, sendo executado na guilhotina. Este episódio provocou a sanção da Lei de Segurança Geral, que facultava ao Ministro do Interior a transladar ou exilar a qualquer cidadão francês que fosse reconhecido culpado de conspirar contra a segurança do Estado. Era uma lei rigorosa, que não se derrogou senão doze anos depois, em 1870. Os tempos então vividos eram de convulsão política; França estava sob a recente lei de segurança de 19 de fevereiro de 1858, sancionada por aquele atentado. O estatuto social da Société Parisienne des Études Spirites (SPEE) devia ser submetido às autoridades (4) sob este severo regime que, ante as novas idéias, colocariam sua atenção sobre o objeto e os nomes dos seus componentes.
A respeito disto, deixemos continuar falando o notável Codificador (1): «(...) Então, foi necessário obter uma autorização legal, para evitar problemas com as autoridades. O Sr. Dufaux, que conhecia pessoalmente ao Prefeito de Polícia, encarregou-se da petição. A autorização dependia também do Ministro do Interior, que era o general X, quem – sem que o soubéssemos – simpatizava com nossas idéias, sem conhecê-las completamente; graças à sua influência, a autorização pôde ser conseguida em quinze dias, que teria levado três meses se seguisse o trâmite usual. (...)» [Tradução nossa do original francês.]
É importante destacar que o Sr. Dufaux deu garantias ao Prefeito que a SPEE tinha caráter apolítico. Por outro lado, o Dicionário Enciclopédico Quillet refere-se a Felice Orsini como um patriota italiano, deputado na Constituinte de Roma de 1849 que, ao cair a República, se refugiou em Paris. Em 1858 atentou contra Napoleão III por haver este restabelecido a autoridade do papa nos Estados Pontifícios. Orsini foi guilhotinado em 13 de março de 1858, isto é, quase vinte dias antes da fundação da Société Parisienne des Études Spirites.
            Eis a importância e o significado histórico desse inédito documento kardequiano. Nossas mais sinceras congratulações ao Instituto Canuto Abreu e ao Conselho Espírita Internacional pela difusão aberta (5) destas valiosas Cartas (6), que permitem compreender mais profundamente a rica História do Espiritismo – e do Movimento Espiritista (7) – para esclarecimento integral das gerações atuais e futuras.
-----------------------
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(1) KARDEC, Allan. Fondation de la Société Spirite de Paris, 1er avril 1858. In: ______. Œuvres Posthumes. Nouvelle édition conforme à la ed. de 1927. 311 pp. Paris: USFF - Union Spirite Française et Francophone. 2ª parte, p. 231 (§§ 2º e 3º) e p. 232 (parágrafos 1º e 2º).
(2) KARDEC, Allan. Société Parisienne des Études Spirites, fondée à Paris le 1er avril 1858. In: ______. Revue Spirite: Journal d’Études Psychologiques. Nouvelle édition. 356 pp. Paris: USFF. Première Année - Mai 1858. P. 148. Disponível em internet: http://perso.wanadoo.fr/charles.kempf (portal da USFF).
3) Contexto extraído da nota do tradutor nº 150 da Revista Espírita: Periódico de Estudios Psicológicos (Año 1858), de Allan Kardec, traduzida ao espanhol por EEB diretamente do original francês, Ediciones CEI: Consejo Espírita Internacional, 2005, pág. XLV. Disponível em: www.feparana.com.br (portal da FEP).
(4) BARRERA, Florentino. La Sociedad de París. In: ______. La Sociedad de París: Société Parisienne des Études Spirites: 1858-1896. 2ª ed. revisada e aumentada, 100 pp., ilus. Buenos Aires: VIDA INFINITA, 2002. P. 14.
(5) HMP Editora. Cartas Inéditas. Universo Espírita. São Paulo/SP, nov. 2004, nº 15, p. 43, art. de Macedo Sarra.
6) LA REVISTA ESPÍRITA Nº 6 en español (Órgano oficial del CEI), com reprodução dos originais franceses do Manuscrito Inédito de Kardec, cedido gentilmente pelo Conselho Espírita Internacional, donde este artigo foi traduzido do castelhano ao português (com revisão de Regina Baldovino) pelo próprio autor [págs. 18 a 20]. Disponível em: www.spiritist.org (portal do CEI).
7) CEA (Confederación Espiritista Argentina). Carta Inédita de Allan Kardec. Boletín Informativo CEA. Buenos Aires, Argentina, set.-nov. 2004, Nº 7, p. 4, com reprodução do original francês de Kardec, gentilmente cedido pelo CEI.

NOTA DO BLOG:

1- Este artigo foi publicado em primeiração mão pela revista La Revista Espírita nº 6 (do CEI - Conselho Espírita Internacional) no primeiro trimestre de 2005, pelo Jornal Mundo Espírita em setembro de 2005 e pela Revista Internacional do Espiritismo (RIE) em março de 2008.

2-  Galeria de Valois, primeiro endereço da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

AGRADECIMENTO

Uma vez mais, agradecemos ao amigo Enrique Baldovino por autorizar a publicação deste artigo.